Nathália Carmem

O tráfico de drogas escreve a vida e a morte de muitas pessoas. É quase como se os traficantes fossem os produtores, diretores, roteiristas de uma peça; na qual eles decidem prontamente quem vai chegar até o final, quem vai morrer logo no primeiro ato, ou talvez no segundo, tanto faz. Porque, na realidade, é isso o que acontece. E é muito comum ouvirmos lamentações acerca das “vidas inocentes” que o tráfico tirou; é muito comum, e até muito fácil, reclamar das ações – ou da inércia – da polícia; mas eu nunca vi, ou ouvi, alguém se conscientizar da própria culpa. A culpa é sua, minha, nossa. Todos somos culpados.
Somos culpados quando passamos pelo sinal e ignoramos as crianças pedindo esmolas, somos culpados quando agimos com preconceito, somos culpados quando excluímos. Somos culpados quando achamos, de maneira mais hipócrita impossível, que o simples fato de sermos “plateia” não nos faz atores. Até que ponto podemos dizer que somos inocentes? Até que ponto podemos dizer que somos vítimas, se somos, também, algozes? Quando o tráfico mata alguém aparentemente, por engano, ou de maneira indireta, é cruel, é triste, principalmente para a família dessa pessoa, mas isso não quer dizer que ela seja inteiramente inocente.
O desrespeito ao próximo alimenta a intolerância que, por sua vez, destrói a capacidade de discernir o que é “certo” e o que não é. Esse discernimento é essencial para a vida em sociedade de maneira construtiva. Pessoas desrespeitadas tendem a se sentir fora, à margem da sociedade. Essas são as verdadeiras vítimas. Vítimas do sistema fortemente discriminatório e competitivo, que insiste em pisoteá-las. Vítimas da corrupção de políticos covardes e sem vergonha na cara. Essas pessoas são mais que vítimas, são massa de manobra, são marionetes que caem, lamentavelmente, nas mãos do tráfico.
Por isso e, para o nosso próprio bem, já que só conseguimos olhar para o próprio umbigo, é importante que comecemos a mudar nossos hábitos e nossas ações. Além de reclamar de tudo o que há de errado, façamos aquilo que devemos fazer: unir, em vez de separar. Não estou pedindo para que você dê dinheiro no sinal ou leve um mendigo pra dormir na sua casa, embora eu já tenha pensado em fazer isso, acredite. Eu clamo é por tolerância, respeito e inclusão social. Abandonar nossas crianças é a mesma coisa que entregá-las nas mãos de bandidos, a mercê de traficantes ou da violência das ruas.
Quando abrimos mão de educar, em nosso lugar, vem alguém que não hesita em ensinar a atirar. Quando fingimos não ver o excluído, uma hora ele cansa e vai se fazer ser visto, nem que pra isso tenha que estar com uma arma na mão.
E não pense que quando as cortinas se fecharem você ainda estará na platéia. O mundo dá muitas e muitas voltas. E numa delas você pode parar na mira de um revólver. Seja você inocente ou não. O tráfico é forte e impiedoso. O tráfico é trágico.